Lucas SImões
Começa mais um dia para Jhonatan.
Acorda cedo, toma banho. Veste a roupa, toma café. Pede a benção aos pais, guarda o material na mochila. Gira a chave, abre a porta. “Te amo, mãe. Te amo, pai”. Fecha a porta, gira a chave. Mais um “da Silva” se joga no mundo.
Jhonatan é estudante, fez 15 anos semana passada. Tem uma família presente. O pai é pastor. A mãe, faxineira. Não é filho único. Melhor, não era. Evandro virou estatística do Boletim Policial. Se criança, quando morre, vira anjo e malandro vira samba. Silva vira número. Não foi o
primeiro, não será o último. Segue a história.
Sonha ser corredor. Se seus amigos sonham com cordão de prata, Jhonatan sonha com medalha de ouro. Se seus amigos se vislumbram com uma Kawasaki, ele se imagina no primeiro lugar do pódio. Nasceu correndo. O trabalho de parto não durou 6 horas. A corrida talvez tenha sido o primeiro grande amigo de Jhonatan. Quando não era ele quem corria atrás de algo, era algo que fazia questão de correr dele. Correu das drogas, correu do crime, correu da polícia. Nunca conseguiu alcançar o Estado. Esse parecia correr de moto, enquanto ele ia descalço desviando dos bueiros abertos. E assim seguiu a vida toda. Correu pra conseguir o primeiro trabalho. Correu pra conseguir treinar no centro comunitário depois da aula. Correu pra passar de ano. Correu da estatística que alcançou seu irmão Evandro.

O dia que Jhonatan foi Abebe Bikila

Sempre preferiu correr descalço. Se sentia mais livre. Se a corrida da vida fazia questão de mostrar o quanto ele era aprisionado, Jhonatan tirava sarro dela. Corria sem tênis, igual quando era criança. Mostrava a vida que se nem bala de revólver o alcançava, quem dirá a vida. Gozava das inúmeras e fracassadas tentativas de lhe aprisionar com correntes nos pés. “Pode vir, pode vir! Tá
muito fraca. Vai ter que se esforçar mais”, dizia ele as gargalhadas.
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Jhonatan acreditou que as olímpiadas seriam ótimas para sua futura carreira de atleta. Viu na TV um senhor de terno, gravata e óculos – um tal de Carlos Arthur de alguma coisa, ou algo parecido - dizer que aumentaria a infraestrutura dos futuros atletas e criaria milhares de centros esportivos. Pobre Jhonatan. Nessa aí ele perdeu antes mesmo do começo da corrida

Jhonatan comemorou quando o descobriu que o Brasil sediaria as olimpíadas de 2016. Era muito novo, não sabia o que estava acontecendo direito, mas pensou que poderia ao menos ver seus grandes ídolos. Acabou deixando pra ver pela TV. Com o preço do ingresso Jhonatan teria que deixar de comer por alguns dias. Pensou não valer a pena. Seu velho prometeu leva-lo na porta da Vila Olímpica para tentar ver Usain Bolt. Era o que dava pra fazer. Foi o que deu pra sonhar.
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Nosso Jhonatan continuará correndo descalço, gozando de sua liberdade e – sempre que possível – rindo da cara da vida, sua maior freguesa nas corridas. Cabe a nós nos questionar até quando o Estado deixará cair o bastão durante a corrida do revezamento justo na hora de entrega-lo a Jhonatan.