Uma ópera olímpica.
Eliana Alves Cruz
A primeira finalista olímpica brasileira foi uma mulher negra, pobre e periférica. Quarto lugar no salto em altura, nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 1964, ano do golpe militar no Brasil. A história da atleta Aída dos Santos tem as notas das grandes óperas. A obra musical do italiano Giuseppe Verdi fala do amor proibido entre a etíope feita escrava pelos egípcios, Aída, e o oficial Radamés. O conflito vivido pela Aída brasileira também fala de amor. Amor pelo esporte. Essa paixão deu a ela determinação para lutar contra

AÍDA DOS SANTOS

adversidades fáceis de contornar caso a tivessem levado a sério, mas que se tornariam muralhas intransponíveis para alguém que não tivesse a sua força.
O Black Sport Club traz a história desta atleta tão especial hoje, dia 25 de julho, dia internacional da mulher negra latino-americana e caribenha, porque acredita que por toda a sua trajetória de vida e no esporte, por tudo o que significa no país que por mais tempo manteve pessoas escravizadas no ocidente, pelos índices alarmantes de violência e assassinatos de mulheres negras que registra em pleno século 21 e por tantos outros motivos, ninguém além de Aída dos Santos mereceria acender a pira olímpica dos Jogos Rio 2016.
Como muitos competidores que se tornaram lendas, o acaso determinou o destino, pois a moça começou a treinar só para não voltar a pé para casa. Uma amiga que lhe dava carona para o Morro do Arroz, em Niterói, foi enfática: “Ou treina comigo ou volta a pé pra casa”. A primeira pedreira a ser quebrada estava na própria família. Aída levou uma surra do pai após seu primeiro torneio. “Pobre tem de ganhar a vida e você não ganhou dinheiro algum fazendo isso”, dizia enquanto lhe castigava.

A filha de lavadeira no Rio de Janeiro não deu meia volta do caminho nem depois da surra, nem com a ausência da família em sua vida esportiva. Títulos e marcas excepcionais a colocaram nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 1964, e foi lá, do outro lado do planeta, que ela mostrou a gigante que é.
Toda a história é um filme. A prova que lhe deu índice para o Japão aconteceu apenas um mês antes, no dia 6 de setembro de 1964, e Aída recebeu o recado pela manhã de que deveria se apresentar para saltar às 14h no estádio Caio Martins, em Niterói. A mãe autorizou desde que ela carregasse a água, lavasse a roupa e cozinhasse. Aída fez tudo isso e foi tentar seu índice olímpico, apesar de “morta de cansada”. E ela conseguiu. Não tiveram como não levá-la. Anos mais tarde ela diria: “Tenho certeza que fizeram isso porque não queriam levar nenhuma das duas” (ela e a outra competidora, Márcia Cipriano).
A delegação brasileira não lhe deu absolutamente nada. Nem treinador, nem intérprete, nem sapatilhas, nem uniforme para competir, nem uniforme para desfilar... nada. Ela estava por sua conta e risco na Vila Olímpica e precisava competir.
Na cerimônia de abertura, a única mulher da delegação brasileira, participou usando a roupa que ganhara no Campeonato Íbero Americano, em 1962, e que parecia com o da seleção brasileira. Na vila olímpica ela ficou em uma ala separada, pois era a única mulher e ia treinar de bicicleta. Aída se lembra: “Quando me viam passar, diziam: Olha lá a turista!”
A Confederação Brasileira de Desportos deu apenas um uniforme e, para treinar, ela só possuía o uniforme do seu clube, o Botafogo. Seu nome não estava na lista de atletas e as empresas de material esportivo, embora quisessem ajudar não podiam lhe dar os tênis, sapatilhas de pregos e outros itens que tanto precisava. Desesperada começou a chorar e os representantes da empresa Puma, sensibilizados, lhe deram uma sapatilha de velocista, muito diferentes da que ela necessitava, mas era aquilo ou competir descalça. Um jipe a pegou no dia da prova e a deixou no estádio olímpico. Aída nãos abia nem para onde ir. Era a única sem técnico e não visualizou uma bandeira do Brasil, um representante, nada. Ela saltou as eliminatórias e torceu o pé, mesmo assim disputou a final e por uma posição não subiu ao pódio.
“Todos diziam que eu não ia conseguir, mas o que eles não sabiam é que esse comentário me engrandece. Conquistei tudo sem técnico e na volta tinha um carro do corpo de bombeiros me esperando. Na hora que eu precisei ninguém me ajudou, então dispensei a festa” – contou.

Para se manter no esporte fez faxina, lavou, passou e engomou. Novamente o nada... nada a impediu de se formar em educação física, pedagogia, geografia e lecionar.
Aída dos Santos ainda participou dos Jogos do México, em 1968 e foi cortada da delegação de Munique, em 1972. Em plena ditadura militar, ao dar uma entrevista ela contou cada detalhe das dificuldades que passou. No dia seguinte recebeu um telefone. Estava cortada da delegação.
Em 2006, Aída recebeu o troféu Adhemar Ferreira da Silva, durante o Prêmio Brasil Olímpico do Comitê Olímpico do Brasil, por tudo o que fez em sua carreira. Em 2009 ganhou o Diploma Mundial Mulher e Esporte, uma premiação do Comitê Olímpico Internacional.