Sacando alto

LICA OLIVEIRA
Eliana Alves Cruz
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O vôlei ainda não era a máquina arrasadora de resultados, mídia e marketing que é hoje, mas já dava os primeiros sinais de que teria um papel relevante no esporte brasileiro quando a jovem Eliani Oliveira despontou para as quadras nacionais. Foram mais de 20 anos de uma carreira que a levou para os Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984 e Seul, em 1988.
Lica, apelido ganho nas quadras, não fazia a menor idéia até onde chegaria naquele ano de 1977, quando ela e a irmã iniciaram nas quadras do clube Cassino Bangu, no subúrbio carioca.
- Nós éramos sócias do clube, mas eu não sabia que tinha uma equipe de vôlei. Fui com uma amiga fazer o teste. Eu e ela passamos. Ela ficou um ano na equipe e eu, 21 anos em quadra! – contou

Os convites começaram a chegar e a menina que morava no bairro de Realengo nunca mais parou. Jogou no Flamengo e, quando a profissionalização do esporte começou a ganhar força, integrou equipes famosas da época como Supergasbrás, Lufken, L’Acqua de Fiori, Minas e jogou cinco anos na Itália. A primeira convocação para uma seleção aconteceu em 1980. Uma seleção de novos que excursionou por cinco países.
- De Realengo para o mundo! – brincou.
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Como um time que entra em quadra para ganhar a partida com garra, a família inteira mergulhou para defender, subiu para bloquear e sacou com objetivo certeiro. Lica relembra que o vôlei no final dos anos 70 era uma esporte elite e para crescer teve que mudar para as equipes da zona sul da cidade.
- E aí você começa a ser a exceção. Em um primeiro momento não tive episódios explícitos de discriminação. A gente sabe que o preconceito
velado que existe no Brasil talvez seja o mais cruel de todos. Como o passar do tempo, entendendo mais o que nos acontece, entendendo mais a nossa sociedade eu identifico situações. Eu enxergo hoje que eu tinha uma liderança, pro exemplo, que valia pra colocar o time pra cima e brigar para ganhar, mas não valia para colocar a tarja de capitã, receber o troféu ou mesmo pra fazer propaganda da marca – contou.
Com 1,77m, Lica seria hoje uma “baixinha” para jogar como centro numa quadra de vôlei, mas depois que deixou saques e joelheiras para trás, mergulhou no jornalismo e teve passagens pela Rede TV e foi apresentadora do Esporte Espetacular. Em paralelo ao jornalismo surgiu a carreira de atriz e desde então fez novelas, filme e peças de teatro. Sacando alto em tantas frentes, Lica tornou-se uma referência e uma ativista antenada com as questões que lidam com representatividade e com o racismo, no seu entender, ainda inconfesso da sociedade brasileira.

- Eu acho que temos que começar a valorizar o que temos de positivo. Me irrita muito quando a mídia só nos dá visibilidade massiva quando acontece um caso de racismo retumbante. Batem nessa tecla ad eternum. Dão luz ao criminoso, pois racismo é crime. Chega de colocar holofote no racista. Não entendo porque a voz de um formador de opinião branco dizendo que racismo não é legal é ouvida e quando nós falamos qualquer coisa é rotulado como ‘mimimi’, choro... No meu tempo de quadra tudo isso que vemos hoje no esporte já acontecia. Chamar de macaca, jogar banana... Só que hoje, com o advento das redes sociais, é impossível esconder. E isso é bom. Vejo um caminho que não tem volta. Muita coisa falta, mas já trilhamos muito.


Em junto deste ano Lica esteve na homenagem que a Confederação Brasileira de Vôlei – CBV prestou às jogadoras de todos os tempos. Reviu antigas amizades e reviveu um pouco das emoções das quadras.
- Foi maravilhoso. Estou na torcida para que o Brasil vá muito bem nesses Jogos Olímpicos, não apenas no vôlei, mas em todos os esportes. Eu fui treinada para trabalhar em equipe. Acho que a vida tem que ser assim. Um puxa o outro e todos sobem. O esporte ensina muito e carrego seus ensinamentos para sempre. Sou muito otimista. Sempre acho que tudo vai dar certo, sempre.
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Talvez esse seja o segredo dos campeões.