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Lucas Simões

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Nas redes sociais, canais de TV e grandes jornais brasileiros, o dia 25 de junho chegou ao fim como outro qualquer: Reino Unido decide deixar União Europeia; Bolsas despencam diante de decisão britânica; Mais alguém é preso na Lava Jato; Algum político é gravado em situação embaraçosa; Vídeos de bebês dançando viralizam no Facebook. Nada de novo. Noves fora essa ciranda inglesa, chega ao fim mais um dia aparentemente comum no Brasil. Lembramos dos ingleses, lembramos da economia, lembramos dos bebês, lembramos da Eurocopa. Mas e Wilson? Quem lembrou de Wilson? Melhor: quem é Wilson?

 

Definitivamente, “Wilson”, we have a problem. Negro, pobre, filho de empregada doméstica e carioca. Quantos Wilsons se encaixam nesse perfil? Baixa autoestima durante a infância, obrigado a trabalhar desde cedo, recruta no exército, talento musical e alvo de racismo. Diariamente, quantos Wilsons são esquecidos? Quantos Wilsons o Brasil perdeu sem sequer ter a possibilidade de esquecê-los? Mas hoje, mesmo que atrasado - não repare essa péssima e corriqueira mania desse que vos escreve – não esqueceremos Wilson. Nesse dia, Wilson Simonal de Castro, ou somente Simonal, como alguns preferem, não será esquecido.

 

Rei da pilantragem, e também do Rock, do Chá Chá Chá, da malandragem e do swing, Simonal tornou-se um fenômeno musical no fim dos anos 60, rompendo uma antiga e incômoda barreira que relacionava os músicos negros brasileiros quase que exclusivamente ao samba, tornando outros gêneros musicais muito associados a músicos brancos. Se nos dias atuais o nome Wilson Simonal possa não parecer tão famoso quanto Chicos, Caetanos e Erasmos, vale lembrar que, no fim dos anos 60, o músico carioca empatava com o ícone da Jovem Guarda – e sempre lembrado – Roberto Carlos como dois dos

maiores sucessos populares da música nacional.

 

Na virada dos anos 60 para os 70, o sucesso de Simonal era tão grande que João Havelange, então presidente da extinta Confederação Brasileira de Desportos (CBD), fez um convite ao cantor para que acompanhasse a seleção

brasileira de futebol durante a Copa do México de 1970, se juntando a delegação composta por grandes jogadores, como Pelé, Carlos Alberto, Gérson, Tostão e Jairzinho. Sob a função de animar o ambiente e descontrair os atletas, Simonal

protagonizou uma das mais memoráveis cenas durante os treinos preparatórios para a Copa. Ainda na dúvida entre o goleiro Emerson Leão ou o ponta direita Rogério Micheletti para preencher a ultima vaga da lista de convocados, o técnico Zagallo e o lateral Carlos Alberto comentaram, obviamente brincando, que não seria necessário trazer nenhum dos dois jogadores para o México, visto que Simonal já se encontrava com a delegação, e inscrevê-lo seria mais fácil.


Simonal, a quem nunca faltou autoconfiança, acreditou na conversa dos atletas brasileiros e rapidamente se disponibilizou a realizar um treino com os atletas na tentativa de provar sua habilidade. Como não poderia deixar de ser, o treinamento não durou mais de 20 minutos, sendo interrompido pelo médico da seleção, que fora obrigado a entrar em campo para socorrer Simonal, que se queixava da falta de ar. 

Com uma canção também se luta, irmão

Com o grande sucesso conquistado não só no Brasil, mas em diversos outros países, como Argentina, México e Venezuela, Wilson Simonal passou por uma dessas raras reviravoltas que a vida de um brasileiro negro e de origem pobre pode dar. Se na infância precisava pular o muro da casa em que sua mãe trabalhava para almoçar escondido dos patrões, aos 30 anos era dono de três Mercedes e uma cobertura em Ipanema, tinha seu programa semanal na TV Record, já havia dividido o palco com figuras como Sarah Vaughan e alcançara a incrível marca de cerca de 340 shows por ano. Mas, infelizmente, a vida ainda havia guardado uma outra reviravolta para a história de Simonal.

 

Numa época marcada pelo extremismo e polaridade, o Brasil dos anos 70 parecia não suportar a ideia de muristas, ou de pessoas que simplesmente não queriam se vincular a qualquer corrente durante a ditadura militar. A questão ideológica era tratada de maneira simples: ou se era milico, ou se era comunista. 

 

Impossível não pertencer a algum dos dois grupos. E foi assim que a carreira do ícone nacional Wilson Simonal começou a sofrer as primeiras perdas. Com uma história que nunca foi bem explicada, cheias de falhas e duvidas de todos os lados, Simonal, de queridinho da opinião pública, passou a informante do DOPS e aliado do regime militar, tudo devido a uma grande confusão entre o músico e seu contador, que teria sido sequestrado pelo cantor após descobrir que estava sendo roubado. Sem grandes provas e investigações de ambos os lados, a imprensa nacional optou por transformar “sintoma em indício, indício em fato, fato em julgamento, julgamento em condenação, e condenação em linchamento”, como disse o jornalista Artur da Távola. O que resultou em uma campanha midiática ferrenha para descredibilizar a imagem de Wilson Simonal, sendo difícil acreditar que não havia nenhum componente racista nessa avalanche de críticas ao cantor, que acabaria caindo no ostracismo da música brasileira, o que o levou ao alcoolismo, depressão e uma cirrose hepática.

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Recuperado da doença, Simonal ainda tentou dar uma volta por cima, mas que, infelizmente, o destino não lhe permitiu. Não cabe aqui prolongar essa melancólica passagem da vida de um dos maiores cantores da música brasileira diante da falta de versões oficiais, investigações, documentos e, principalmente, necessidade. Apenas ressaltar que, duas décadas depois, o cantor conseguiu na justiça um documento que reconhecesse que Wilson Simonal nunca fora informante de qualquer órgão do governo.

 

Hoje, após esse 25 de junho que marcou 16 anos de sua morte, deixemos um pouco de lado as incertezas, certezas e críticas para lembrar desse ícone da música nacional tão esquecido por nós.

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“Alegria, alegria”, viva os Wilsons do Brasil!

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