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Arena Mundo

Eliana Alves Cruz

A primeira semana de Jogos Olímpicos Rio 2016 terminou com uma marca: a diversidade. Nestes que são os primeiros Jogos realizados na parte sul do continente americano; nestes que são osJogos marcados por uma contradição cruel de glória e pavor — visto que a violência em seu entorno faz correr um rio de sangue —; nestes que são os eventos onde países que possuem mais que dinheiro, mas projeto consistente para a atividade esportiva há três séculos, algo diferente brilhou.

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Depois de 25 anos perambulando no “planeta esportes”, minha participação de formiguinha em toda a grandiosidade deste acontecimento também é cheia de conflitos entre o estranhamento e o conforto. Senti-me “gringa”, visto que praticamente todos os voluntários e pessoas envolvidas que me viam pela primeira vez nunca partiam da suposição de que eu poderia ser brasileira e metiam um inglês sem nem pensar. Senti-me em casa. Não por ser brasileira e carioca, mas porque apesar de circular entre uma imprensa ainda muito branca e masculina que é a do mundo esportivo por estas bandas (daí todo mundo achar que eu não sou daqui), vi nas arenas uma mudança que mostra que o mundo — apesar de preguiçoso — caminha.

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Sobre a judoca Rafaela Silva tudo já está dito. Foi uma vitória tão emblemática, que parece escrita para um roteiro de final de filme hollywoodiano. A arena do judô fica distante da Cidade Deus 8,9km. Sem pressa e com disposição, dá pra ir a pé. Ela, que é uma mulher negra, gay, nascida e criada na comunidade e fruto de um projeto social, não poderia ter escolhido cenário melhor. O Brasil precisava destes dois ‘wazaris’ no tatame do seu racismo institucional que insiste em negar, mas está lá, resistindo com competência há cinco séculos. Alma lavada é pouco pra definir.

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Saindo do Brasil, tivemos a primeira campeã Olímpica negra da natação. A americana Simone Manuel subiu no lugar mais alto do pódio dos 100m livre carregando com ela o momento #blacklivesmatter, o momento de briga para não ver repetidas histórias que julgávamos passadas... A Simone da piscina e a Simone (Biles) dos ouros garimpados nos tablados de ginástica são colegas de quarto na Vila dos Atletas, mas estão irmanadas numa mensagem ao mundo. Tudo bem claro. Só não vê quem se cristalizou na cegueira dos velhos (pre) conceitos.

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Voltando ao Brasil, tivemos a primeira nadadora brasileira negra numa final Olímpica. O país do futebol só pensa (erradamente) em pódio, mas Olimpíada é infinitamente mais. O Brasil entrou nos Jogos em 1920, ou seja, foram necessários quase 100 anos para que uma negra pudesse disputar uma decisão dentro d’água. A piscina é um mundo sonhado por milhares de crianças, pois além de ser uma delícia brincar no calor é algo muito inacessível para a maioria do povo brasileiro. Para ter o gosto de um mergulhinho é preciso ter acesso a algum clube, associação, condomínio... enfim, não dá para a esmagadora maioria. E nem precisa de estatística pra saber disso, náo é mesmo? Os “memes” de facebook adoram fazer piadas com isso. Todo verão é um monte de imagens de pobres em piscinas de plástico que arrancam risadas, mas falam também de uma realidade. Também não carece de maiores explicações. Está tudo aí. É só ter “olhos de ver”.

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— É muito legal isso e eu fiquei muito feliz. Ela nada a minha prova. Isso faz a diferença. Todo mundo falando da primeira ‘afro’ a ganhar a medalha de ouro, mas acho que aqui está todo mundo pra disputar igual. Fiquei muito feliz por ela — disse Etiene sobre Simone, logo após também colocar seu nome na história entrando para uma final.

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Aqui, nos bastidores de “zonas mistas” das piscinas, aquelas áreas onde os atletas encontram a mídia, também vejo uma mudança. Depois de longos 25 anos, eu tenho colegas da África do Sul e do Zimbabwe como attachés de imprensa. Quando Simone Manuel venceu, vários rostos negros desceram para entrevista-la e mais ainda em sua prova do dia seguinte. Isso tem apenas uma mensagem que precisa ser repetida até convencer: Representatividade importa.

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Em tempo: Como o Black Sport Club é a arena plural do esporte, aqueceu o coração ver também o pedido de casamento das brasileiras do rugby. É maravilhoso ver seres humanos sem se envergonharem de ser quem são... e sem medo de amar.

Olimpíada black power!

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