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Salve Jorge do Ben e Benjor

TOQUES & TONS 7

outras

Ricardo Pessanha

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Um dos pontos altos da merecidamente incensada abertura da Rio 2016 foi a multidão no Maraca, templo sagrado do futebol, cantando em uníssono com um rubro-negro do Rio Comprido, um dos hinos informais da República Federativa do Brasil: País Tropical.

Aquela noite foi mais uma de consagração para esse salgueirense batizado de Jorge Duílio Lima Menezes, devoto de São Jorge, que inicialmente adotou o sobrenome da mãe etíope, Silvia Saint Ben, para a vida nos palcos.

Mas a música não foi a sua primeira paixão. O que o garoto Jorge gostava mesmo era de bater uma bola. Depois da escola corria para um dos muitos campos de pelada perto de casa e jogava até cair a noite. Um dia, incentivado pelos amigos, se apresentou na Gávea para um teste. Aprovado, logo conquistou a vaga de centroavante no juvenil do Mengão, onde fazia muitos “gols de anjo, verdadeiros gols de placa”, para alegria da torcida do mais querido. Mas, servindo ao exército, fraturou a perna numa partida de futebol de salão, e o sonho de ser jogador profissional acabou.

Foi então que o violão, presente de sua mãe, entrou com força na sua vida. E como morador da encruzilhada zona norte-zona sul que é o Rio Comprido, ouvia tanto os ecos do rock que vinham do lado praiano da cidade, quanto o samba das escolas e blocos e os toques dos centros de candomblé e umbanda próximos. Do rock herdou um apelido, o Babulina, corruptela de Bop a Lena, um rock de sucesso que ele tocava em festinhas para impressionar.

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Da amálgama de todas as suas influências, Jorge criou uma alquimia musical única. Não era bossa nova, não era samba tradicional. Como explica - ou não - o seu hit mundial Mais que nada, era um samba “misto de maracatu, samba de preto velho, samba de preto tu”, samba de preto banto, ritmo que alguns chamam de samba rock, outros de sambalanço, cheio de sacundim, sacundém, imboró e congá, como diz a letra de Chove chuva.

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Mas tudo começou mesmo no Beco das Garrafas, uma quebrada da Rua Duvivier, em Copacabana, cheia de boates e bares, ponto de encontro da moçada da bossa nova. Jorge começou a frequentar o lugar no início dos anos 60 e, no reino das harmonias complexas e sofisticadas, ganhou destaque pelo seu violão diferente, encharcado de swing. Como não conseguia acompanhar aquelas harmonizações complicadas da BN – no início poucos conseguiam - acabou desenvolvendo uma batida inusitada no violão, que misturava uma musicalidade afro-brasileira e as influências norte-americanas.

“Descoberto” pelos executivos da Philips, lançou o seu primeiro compacto (vinil curtinho, com uma música de cada lado), com as faixas Mais que nada e Por causa você, menina, que ele cantava trocando o “c” por “x”, como a Xuxa fez mais de 20 anos depois: “Mas voxê passa e não me olha, mais eu olho pra voxê”.

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A crítica especializada, majoritariamente, caiu de pau, é claro. Com aquela visão colonizada europeia, de acordo com a qual o que importa é melodia

e harmonia, fez pouco do violão diferente, das letras algo ingênuas e do ritmo quente e manhoso de Jorge. Mas o público não estava nem aí, comprou 100 mil cópias do disquinho e, no mesmo ano, 1963, saiu o primeiro LP do Babulina, Samba Esquema Novo, que continha a já famosa Mas que nada, e outras que logo se tornaram clássicas, como Chove chuva e Balança pema.

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Quanto a essa última, muito se especulou sobre o significado da palavra “pema”. Já li que era o nome de um peixe, um sinônimo de bunda, um termo de umbanda (corruptela de pemba)... Pois bem, o próprio Jorge me disse que Pema era o apelido de uma moça que morava na Rua Paula Souza, na Tijuca, que sambava bem pacas. Simples assim.

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De lá para cá Jorge Ben foi parte marginal de todos os movimentos musicais que ocorreram no Patropi – a Bossa Nova, a Jovem Guarda, os festivais e sua MPB, o Tropicalismo, o rock, a pilantragem, o soul, o rap e o funk – compôs dezenas de hits, tocou e fez sucesso no mundo todo, trocou o nome para Benjor para, segundo ele, não ser confundido com George Benson, foi plagiado por Rod Stewart (Do you think I’m sexTaj Mahal) e ganhou o processo por plágio, foi acusado de ser repetitivo e de fazer letras que não cabiam nas frases melódicas, fez incursões pela alquimia e a religião, cultuou a herança africana, montou bandas que eram verdadeiras usinas de energia rítmica, e muito mais.

Jorge Ben/Benjor se manteve sempre fiel a quatro amores da sua vida. Os primeiros são o futebol e o Flamengo, cantados em canções como Fio maravilha, rebatizada de Filho maravilha por força de um equivocadíssimo processo do jogador homenageado, Zagueiro, um dos poucos tributos a quem “arrepia e limpa a área”, a épica Ponta de Lança Africano, que conta do poder de Umbabarauma, o homem gol que “Pula, cai, levanta, sobe, desce, corre, chuta, abre espaço, vibra e agradece”, e a sincopada Cuidado com o Bulldog, que fala das agruras de um torcedor mordido pelo feroz canino.

Em País tropical, ele une os dois primeiro amores a um terceiro, a Teresa. Teresa é a Domingas Teresinha, com quem Jorge se casou em 1971 e para quem fez várias músicas. Foi num telefonema para ela, quando o Fla venceu a Taça Guanabara de 1968, que surgiu a inspiração para País Tropical: “Sabe, estou contente de ser Flamengo e ter uma nega chamada Teresa”.

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Finalmente o quarto amor: o verdadeiro som universal, o único que cruza todas as fronteiras, a pedra filosofal da música, que pulsa em todo e qualquer ser humano: Sua Majestade o Ritmo.

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O negócio do cara é, e sempre será o ritmo.

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