A peleja do Bruxo das Alagoas contra o Príncipe das Trevas nas Terras de Tio Sam
Ricardo Pessanha
Miles Davis, o maior trompetista de jazz de todos os tempos, tinha duas paixões: a música e o boxe. Praticante do esporte, o artista nutria grande admiração por grandes pugilistas como Sugar Ray Robinson, Joe Louis e Jack Johnson, este último o primeiro esportista negro que, com seu dinheiro, carros, mulheres (brancas) e estilo de vida, desafiou a extremamente racista sociedade americana na primeira década do século XX.E quando a trajetória de Jack virou filme, Miles foi convidado para criar a trilha sonora. O resultado foi “A Tribute to Jack Johnson”, uma obra prima lançada em disco pela primeira vez em 1971.

TOQUES & TONS 2

Para o jazzman, a simbiose entre música e boxe era tamanha que ele se concentrava para seus shows como se fosse entrar no ringue. Não falava com ninguém, não fazia sexo na véspera e não se alimentava antes do subir no palco.
Mas o que o Príncipe das Trevas (apelido de Miles por seu jeito soturno e distante no palco) não sabia é que levaria um direto no rosto desferido por outro músico lendário, o Bruxo das Alagoas, o genial multi-instrumentista Hermeto Paschoal, que faz música com qualquer coisa (além dos instrumentos tradicionais, já vi Hermeto tocar porco, bacia, balde, chaleira e os cambaus).


O brasileiro adora contar essa história. Uma vez, em 1971, Miles desafiou Hermeto para uma luta no ringue da sua casa. Hermeto colocou as luvas emprestadas, tirou os óculos (sem os quais é praticamente cego), e subiu no ringue, onde já estava Miles, de olhos fixos no oponente. Mas o trompetista não contava com a astúcia do Hermeto. Sem os óculos, seus olhos “vão para todos os lados”, palavras do homem. E aí Miles não sabia para onde Hermeto estava olhando. Achou que ele olhava para cá, baixou a guarda e Hermeto – pôu - meteu-lhe um soco, que machucou mais sua mão do que o rosto do americano. Entre mortos e feridos salvaram-se todos mas, depois dessa, Miles só chamava Hermeto de “Albino Louco”.
Miles gostava de se gabar dizendo que poderia ter sido lutador profissional mas, na verdade, evitava embates reais por medo de machucar as mãos e os lábios. Ele sabia que boxeadores acabam perdendo seus títulos, por derrota ou aposentadoria, mas músicos como ele e Hermeto Pascoal são eternos vencedores.