De como Mick Jagger virou pé frio
TOQUES & TONS 7
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Ricardo Pessanha
“The blues had a baby and they named it rock ’n’ roll” - Muddy Waters
Em 1977, as águas lamacentas do Mississipi, encarnadas no mítico bluesman Muddy Waters, cantaram que o blues, gênero criado por negros e negras escravizados no sul dos EUA, teve um filho chamado rock ’n’ roll. Mas poucos personificam a alma do rock como um branco londrino chamado Mick Jagger. O cara definitivamente tem seu próprio mojo, um dom mágico que lhe permite cantar e compor com o espírito negro.
Poucos caucasianos e, menos ainda ingleses, têm esse poder mas, aos 73 anos, Mick continua por aí, insatisfeito, lépido e fagueiro, correndo o mundo cantando, dançando e provocando, junto com os outros cascudos dos Rolling Stones.
É difícil descobrir como o cantor conseguiu o mojo, mas há rumores que tentam dar conta do fenômeno. Falam por aí que ele, antes da fama, mas já super fã dos grandes do blues do delta do Mississipi, viajou para os EUA. Lá, caiu na estrada à procura da então perdida encruzilhada onde Robert Johnson, o músico que cristalizou a estrutura do blues como conhecemos hoje, vendeu a sua alma ao diabo em troca do talento de fazer música como ninguém jamais havia feito.
Pois bem, uma noite, pedindo carona no cruzamento das rodovias 61 e 49 em Clarksdale, Mississipi, o performer ficou de cara com o próprio Robert Johnson! Com o cigarro no canto da boca e olhar zombeteiro, o músico, morto em 1938 aos fatídicos 27 anos, olhou para um Mick estático e lhe fez um gesto de dádiva, antes de sumir em uma nuvem de fumaça. O britânico, espantado, compreendeu que tinha encontrado a encruzilhada sagrada, a meca do blues, mas atribuiu a visão de Johnson a um ácido ruim que tinha tomado naquele dia, um tal de Mississipi Sunshine.
Isso pode ter sido uma grande viagem, mas o fato é que, de volta a Londres, manteve toda essa maluquice em segredo e resolveu botar a banda para frente. Os encontros com o amigo de infância e guitarrista Keith Richard se intensificaram. Reuniam-se para ouvir e tocar covers de outros santos da igreja do blues e do rock – Chuck Berry, Howlin’ Wolf, Bo Diddley, Elmore James, Sonny Boy Williamson –, e compor.
“Got my mojo working” – Muddy Waters.
As coisas começaram a acontecer. Em 1964 lançaram o primeiro fruto da parceria Jagger/Richards, “Tell me”. No mesmo ano passaram dois dias gravando 14 músicas nos estúdios da lendária Chess Records, em Chicago, e lá conheceram Buddy Guy e Muddy Waters, que disse o seguinte sobre Brian Jones: “esse guitarrista não é ruim, não.” A lista dos melhores do ano da revista New Musical Express, escolhida pelos leitores, colocava os Stones no topo. O compacto com uma das faixas gravada na Chess, “It’s all over now” atingiu o primeiro lugar das paradas britânicas, vendendo mais de 500 mil cópias. Sucesso total.


Mas volta e meia Mick ficava grilado. Será que a visão de Johnson, naquela noite fatídica, tinha sido “real”? Teria ele realmente lhe passado seu o dom para a música? Estaria sua alma então automaticamente hipotecada à besta? O sucesso cada vez maior já incomodava o astro. A polícia o perseguia atrás de flagrantes de drogas, os paparazzi não o deixavam em paz. Precisava de férias, sair do agito da Swinging London, do mundinho sexo, drogas e rock’n’roll. Ao mesmo tempo estava cada vez mais ansioso para saber, afinal, se sua alma ainda lhe pertencia.
Uns amigos lhe falaram do Brasil: clima tropical, povo hospitaleiro, música boa e religiosos sábios que talvez pudessem esclarecer o mistério sobre a sua alma. No início de 1968, o cantor desembarcava no Galeão, muito antes de sequer sonhar que um dia teria um filho brasileiro, acompanhado de sua mulher à época, a cantora e atriz Marianne Faithfull. Não foram felizes no Rio. Com suas roupas exóticas e comportamento “estranho” (diz a lenda que Mick acendeu um baseado no Antonio’s, restaurante badalado do Leblon de então) foram ridicularizados pela imprensa e, na rua, juntava gente para ver o casal de “marcianos” passar.
Fugiram para Salvador e chegaram no dia da lavagem das escadarias do Bonfim; se impressionaram com os ritmos e cores da festa, a igreja iluminada, os tambores soando ao redor, tudo isso bateu estranho no gringo. Sentiu uns tremores, tontura. Voltou para o hotel muito intrigado.
Contou o que sentiu para um amigo brasileiro, que sugeriu que ele fosse a um terreiro se consultar com uma famosa mãe de santo, cujo nome não estou autorizado a revelar. Mick topou. No íntimo, já queria isso mesmo. Quem sabe a sacerdotisa não tiraria a dúvida que o torturava há anos. Dito e feito. Usando os seus poderes espirituais, a mãe de santo adivinhou que a alma de Mick não mais lhe pertencia, era do demo desde aquele “encontro” na encruzilhada do Mississipi.
O performer quase entrou em pânico, mas a sábia senhora o acalmou. Ela lhe daria uma guia que não alteraria o mojo, mas impediria belzebu de carregar a sua alma quando chegasse a hora da prestação de contas. A mãe de santo lhe deu então uma guia de aço.
Contendo várias ferramentas pingentes, cada uma representando a onda vibratória de um Orixá, essa guia repele as vibrações ruins. Mick teria que tê-la consigo pelo resto da vida, para não correr o risco de o capeta carregar a sua alma. E só haveria um pequeno efeito colateral: por algum motivo, Mick se tornaria um tremendo pé frio para todos os esportes. O time para o qual torcesse, em qualquer ocasião, jamais venceria. Agradecido, Mick nem ligou para esse azar esportivo e nunca mais deixou de carregar a guia. Chegou até a compor um “samba” inspirado pelos tambores que ouviu no terreiro e nas ruas de Salvador: “Sympathy for the devil”. Mas Mick só coloca a guia no pescoço em ocasiões especialíssimas. Uma dessas vezes foi no famoso concerto do Hyde Park em 1969, uma homenagem a Brian Jones, morto de forma misteriosa aos... 27 anos. Muitas fotos desse show mostram a guia de aço, poderosa, suingando ao som da maior banda de rock de todos os tempos, diante de mais de 300 mil pessoas.
Com os poderes da guia de aço, o mojo de alma negra de Mick Jagger está seguro. E parece que, de alguma forma, esse poder está incorporando em uma linhagem de vocalistas ingleses, tais como Lisa Stansfield, Mick Hucknall, Amy Winehouse, Joss Stone e outros. Diante de tudo isso, parece que Mick Jagger vai estar por aqui por muito tempo ainda.
O rock agradece.