Lineker da bola
Liniker da voz
outras
TOQUES & TONS 5
Ricardo Pessanha
Para os padrões britânicos, Lineker foi um craque. Habilidoso e com faro de gol, o atual comentarista da BBC foi três vezes artilheiro do campeonato inglês e o maior goleador da Copa do Mundo de 1986, jogando pelo British Team. E o cara era um gentleman: pendurou as chuteiras sem receber sequer um cartão, nem amarelo nem vermelho, em toda a carreira. Fair play era com ele mesmo.
O craque britânico não sabe, mas, em 1995, nasceu em Araraquara um bebê que recebeu o seu nome, só que com “i”:

Liniker. A Liniker nunca fez gol, mas bate um bolão, e não tem nada de gentleman. Liniker é uma força da natureza, simplesmente a maior intérprete surgida na música popular brasileira nos últimos (muitos) anos.
Aos 21 anos, Liniker chegou para abalar. Com voz potente, grave e levemente rouca, herdeira dos grandes do soul, e sua afiada banda de apoio, Os Caramelows, de pegada rock, Lineker dá show. Na noite de 9 de julho, Liniker e os Caramelows tomaram de assalto o Circo Voador, na Lapa, palco mágico que consagrou e enterrou muita gente ao longo de mais de 30 anos.
Pense em Dzi Croquettes, Secos & Molhados, Cassia Eller, o exagerado Cazuza. Pois estavam todos lá aquela noite, quando formou-se uma arrepiante simbiose palco – plateia.
A galera, predominantemente jovem e antenada, cantou junto com a intérprete praticamente todas as músicas, composições autorais como “Caeu”, “Zero” e “Louise do Brésil”, com uma única exceção para o clássico de Macau, imortalizado pela Sandra de Sá, “Olhos Coloridos”, interpretada com poder pelo cara que se descreve como “negro, pobre e gay e com potência também.” É um show de black music, tomada no sentido amplo, de samba-rock, rock e soul, com pitadas de MPB, levado com muita paixão, movimento e forte impacto visual. Liniker usa seu corpo como parte de sua mensagem: “Meu corpo é um corpo político. Preciso mostrar para as pessoas o que estou passando. Este é o Liniker, um cara pode usar um batom, turbante e cantar”, disse ele ao site do El País. Liniker é assim: refere-se a si mesmo alternadamente no feminino e no masculino, combinando barba, batom e grandes brincos pingentes.
Sem um CD gravado sequer, somente um EP na internet com três músicas, o qual não faz jus ao seu poderio performático, o cara é sucesso absoluto no circuito alternativo e, sem dúvida, breve atingirá o mainstream. Há muitos excelentes vocalistas relativamente novos em atuação hoje fazendo música de qualidade, mas praticamente todos têm um perfil intimista, de gestos comedidos e elegantes. Pois Liniker chegou para sacudir esse cenário. É super afinada e elegante por natureza, mas no palco sabe alternar momentos assim com outros de energia crua.
A Liniker é casca grossa, mas vai “ser a bicha de pele mais fina”. Também quer fair play em outros campos e está na área para lacrar.